Retalhos que costuram o tecido social

Postado em 22 de julho de 2019

Um projeto de pesquisa voltado ao aproveitamento de resíduos da indústria têxtil foi como a agulha e linha que faltavam para a professora Francisca Dantas Mendes, da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) da USP, cerzir seus trabalhos de extensão.

Tita, como é conhecida, começou a ministrar oficinas de patchwork — técnica de costura com peças de tecidos de várias cores, padrões e formas. A iniciativa consolidou-se ao longo de cinco anos, na USP Leste, a partir do programa USP Aberta à Terceira Idade, da Pró-Reitoria de Cultura e Extensão Universitária (PRCEU).

Ao mesmo tempo, foram firmadas parcerias com a Prefeitura da capital e organizações não-governamentais (ONGs) para a realização de cursos específicos para pessoas em situação de rua. “A ideia é permitir geração de renda e o aumento da autoestima dos moradores de rua”, destaca a pesquisadora.

As atividades, cujo foco principal é a sustentabilidade da cadeia têxtil, envolvem estudantes do curso de bacharelado em Têxtil e Moda da EACH, da qual Tita é vice-coordenadora. No primeiro semestre, seis alunos da graduação e oito do mestrado foram vinculados ao Programa Operação Trabalho, da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico, para a capacitação de 30 pessoas em situação de rua. “Os estudantes gostam de ter essa ação social. Eles ficam bastante entusiasmados”, afirma.

Fazem parte da grade curricular do curso, cuja proposta é considerada pioneira no país, disciplinas sobre as características e propriedades de matérias-primas têxteis (naturais, sintéticas e químicas) e o desenvolvimento sustentável de roupas e tecidos (como na cadeira “Eco Design Têxtil”).

“O resíduo têxtil não é catalogado como reciclável”, lamenta a professora. “São mais de 12 toneladas de roupas descartadas nas calçadas todos os dias, além de 38 toneladas de sobras dos departamentos de cortes das indústrias.”

O trabalho de extensão voltado a esse reaproveitamento ganhou fôlego, há pouco mais de dois anos, com a criação pela USP do Núcleo de Apoio à Pesquisa (NAP) de Sustentabilidade no Setor Têxtil e na Moda (Sustexmoda).

Como arremate, no final de maio foi realizado um primeiro congresso internacional na EACH que discutiu, justamente, o desenvolvimento sustentável desse importante setor da economia.

Para o segundo semestre a professora Tita prevê um desfile, organizado por estudantes, com peças de roupas e acessórios produzidos em oficinas voltadas a transsexuais. Sempre afivelando reciclagem e reutilização. “Nosso projeto todo é de resíduo zero: não sobra nada para aterro sanitário!”

Costura interdisciplinar

Graduada e especializada em Moda, com mestrado e doutorado em Engenharia de Produção, Francisca Dantas Mendes conta no Sustexmoda com a colaboração de pesquisadores que também têm histórico interdisciplinar.

É o caso da professora Sirlene Maria da Costa, também dedicada ao curso de graduação em Têxtil e Moda da EACH (criado em 2005 com o nome de Tecnologia Têxtil e da Indumentária). Formada em Engenharia Industrial Química, especializou-se no mestrado e doutorado em Biotecnologia Industrial na atual Escola de Engenharia da USP em Lorena (EEL). Como pesquisadora da área de fibras têxteis, Sirlene destaca a dificuldade de reciclagem desse tipo de material e, por isso, “a importância de se reaproveitar ao máximo esses resíduos”.

“É difícil, mas não impossível, utilizar as sobras dos cortes de uma peça para que elas formem um novo fio com a devida resistência para uma outra construção têxtil”, explica. “Porque existe uma variedade de fibras. O tecido-não-tecido, conhecido como TNT, acaba sendo a melhor forma de reaproveitamento desses resíduos.”

Além de ministrar aulas na graduação e orientar pesquisas no programa de pós-graduação, Sirlene destaca o orgulho em participar das atividades de extensão do NAP-Sustexmoda. “O trabalho de extensão é uma atividade à parte. Sinto necessidade de estar com a comunidade”, enfatiza.

 

*Da Revista USP INTEGRAção