Professor da EACH propõe nova forma de mudança ambiental na Amazônia desmatada
Postado em 31 de julho de 2020
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Um estudo publicado recentemente propõe uma nova forma de mudança ambiental na Amazônia desmatada. De acordo com seus autores, a conversão de florestas estaria causando um processo de ´lentificação´, isto é, um aumento na quantidade de ambientes de água parada (´lênticos´) na paisagem.
Estudos anteriores na Bacia do Alto Xingu haviam mostrado a construção de 10 mil pequenas barragens, a elevação do nível das água subterrâneas e a compactação do solo como produto da conversão da floresta em pastagens e plantações. No atual estudo, todos estes fenômenos são formulados como sendo parte de um processo mais amplo que combina a intervenção direta por meio de obras de engenharia com alterações involuntárias no ciclo hidrológico mediadas pela transformação da bacia hidrográfica. Barragens formam reservatórios, transformando trechos de riachos e rios em lagos; a elevação do lençol freático promove a expansão de várzeas, tipicamente repletas de poças periodicamente religadas ao curso d´água pelas chuvas; e a compactação de solos forma poças temporárias que retém água por dias, semanas ou meses dependendo do caso. Esta maior disponibilidade de ambientes de água parada causaria mudanças na biodiversidade aquática e semi-aquática.
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Luis Schiesari e colaboradores demonstraram um aumento pronunciado no número de barragens e na largura de várzeas de riachos em ambientes desmatados, favorecendo espécies de peixes normalmente associados a ambientes de água parada como carás, lambaris e rivulideos, bem como sapos, rãs e pererecas. Ainda mais pronunciado foi o aumento no número de poças temporárias nos platôs, isto é, nas terras mais altas e afastadas dos riachos. Uma vez que o solo no Alto Xingu é muito poroso e bem drenado, poças temporárias são incomuns nos platôs cobertos por florestas. Nestes ambientes os pesquisadores encontraram apenas uma minoria das espécies de anfíbios em atividade reprodutiva, já que 90% das espécies da região completam seu desenvolvimento em ambientes aquáticos. Em contrapartida, nos ambientes desmatados a compactação do solo pelo pisoteamento do gado, o tráfego de maquinário e a construção de estradas, bem como a construção deliberada de cacimbas para acumular água para o gado, promoveu o surgimento de numerosas poças temporárias. Com elas houve a invasão de platôs antes ocupados por floresta por doze espécies de anfíbios mais tolerantes do cerrado.
O estudo é, por enquanto, baseado numa escala espacial restrita. Porém, os autores demostraram, por meio de uma revisão da literatura científica, que todos os três mecanismos geradores da lentificação – isto é, a construção de barragens, a elevação de lençóis freáticos e a compactação do solo – são comuns na Bacia Amazônica e em bacias adjacentes. Assim, este fenômeno poderia estar promovendo a reorganização da fauna e flora aquática e semiaquática em uma área globalmente importante para a conservação da biodiversidade.
É importante notar que o fenômeno da ´lentificação´ não implica necessariamente em uma expansão de ambientes de água parada de alta qualidade. Ao contrário, muitos destes ambientes são aquecidos, assoreados e contaminados por fertilizantes e agrotóxicos. Além disso, a construção de barragens é sabidamente uma das mais impactantes mudanças ambientais para a biodiversidade de água doce no mundo todo. Finalmente, a reorganização da biodiversidade pode favorecer a expansão e o aumento populacional de espécies indesejadas. Olhando em retrospecto, é interessante notar que doenças como a esquistossomose e principalmente a malária, flagelo dos colonos em ambientes desmatados, também podem ser entendidas como consequências da lentificação da Amazônia uma vez que são habitats de água parada, e não de água corrente, onde esses vetores se desenvolvem.
*Com informações do professor Schiesari
*Referência: Schiesari, L., P. Ilha, D.D.B. Negri, P.I. Prado & B. Grillitsch. 2020. Ponds, puddles, floodplains and dams in the Upper Xingu Basin: could we be witnessing the ´lentification´ of deforested Amazonia? Perspectives in Ecology and Conservation 18(2): 61-72.